quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Para Ozymandias, com amor


Para Ozymandias, com amor

O filme Para Roma, com Amor, dois personagens dizem sofrer de melancolia de Ozymandias. Woody Allen construiu as falas assim, como se eles se referissem a um conceito psicanalítico. Freud deu nome ao Complexo de Édipo; Woody Allen fez o mesmo com a melancolia de Ozymandias. Foi em 1980, no filme Stardust Memories, que ele falou pela primeira vez dessa tristeza que alguém sente quando constata que mesmo coisas grandiosas não resistem ao tempo. O próprio Allen diz que sofre disso. Acho que a maioria das pessoas que refletem sobre a existência também. Há uma ironia no contexto em que Woody Allen usa Ozymandias. Volto a isso lá no fim do texto.
Não quero falar do filme, mas de Ozymandias, que é uma história dentro da história. Ozymandias é a palavra grega que corresponde ao nome do faraó Ramsés II. Ele teve o mais longo e mais poderoso reinado no Egito. Talvez não seja exagero dizer que, durante algumas décadas, foi o homem mais importante do mundo.
No século 19 a Europa vivia um período de fascinação pelas antigas civilizações e uma estátua de Ramsés/Ozymandias foi disputada por Napoleão e pelos ingleses. A peça acabou ficando com os ingleses e foi instalada no Museu Britânico, onde pode ser admirada. Poucos meses antes do fragmento da estátua chegar a Londres, provavelmente inspirados pelo noticiário sobre ela, os poetas Percy Shelley e Horace Smith combinaram uma competição: os dois iriam escrever poemas sobre Ozymandias (Shelley devia gostar dessas provocações; foi em uma situação semelhante proposta por ele que Mary Shelley inventou a história de Frankenstein e John Polidori fez o primeiro livro sobre um vampiro).
Os dois poemas que resultaram do desafio seguem um mesmo raciocínio. Falam do faraó poderoso para abordar a vulnerabilidade dos seres humanos e de suas obras (“Contemplem as minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos! / Nada mais resta: em redor a decadência / Daquele destroço colossal, sem limite e vazio”). Horace Smith vai além e coloca uma pessoa do futuro, que olhará as ruínas de Londres e tentará imaginar quem vivia naquela cidade.
Tanto o poema de Shelley quanto o de Smith são bons, mas foi o de Shelley que se tornou famoso nos países de língua inglesa. Parece que isso se deve ao fato de ele ter conseguido entrelaçar as palavras no soneto de forma peculiar e sonora, algo difícil para nós – que não temos inglês como língua nativa – percebermos.
O Ozymandias de Shelley é pop. Virou inspiração para peças de música erudita e para canções de rock; deu nome a mais de um herói de quadrinhos e personagem de games; foi citado em séries de tevê e em um filme do Monty Python. Foi lembrado várias vezes na imprensa para falar de Saddam Hussein e de outros ditadores que tinham complexo de Ramsés II. Aliás, todos eles têm. Convencem-se de que vão durar para sempre e mandam construir gigantescas estátuas de si mesmos que, um dia, o povo derruba.
Woody Allen e seus personagens dizem sofrer por causa da impermanência de toda obra humana, provocada no filme recente pela visão das ruínas romanas. O ser humano constrói coisas lindas, que chamamos de obras de arte, como o Coliseu, como a estátua de Ozymandias, mas tudo isso é frágil e vai acabar.
A ironia a que me referi lá no começo é que a história de Ozymandias mostra que a única obra humana que permanece é a beleza da arte. O faraó se vai, seu reino desaparece, mas uma estátua sua feita por um escultor cujo nome ignoramos permanece e desencadeia inspirações e experiências em muitas pessoas que vivem séculos mais tarde. É a única forma de perenidade acessível ao ser humano. Se isso é motivo para melancolia, é uma questão pessoal. Certamente é estímulo para sermos mais humildes e gastarmos mais tempo com o que é realmente bacana, como um filme do Woody Allen.


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