Para Ozymandias, com amor
O filme Para Roma, com Amor, dois
personagens dizem sofrer de melancolia de Ozymandias. Woody Allen construiu as
falas assim, como se eles se referissem a um conceito psicanalítico. Freud deu
nome ao Complexo de Édipo; Woody Allen fez o mesmo com a melancolia de
Ozymandias. Foi em 1980, no filme Stardust Memories, que ele falou pela
primeira vez dessa tristeza que alguém sente quando constata que mesmo coisas
grandiosas não resistem ao tempo. O próprio Allen diz que sofre disso. Acho que
a maioria das pessoas que refletem sobre a existência também. Há uma ironia no
contexto em que Woody Allen usa Ozymandias. Volto a isso lá no fim do texto.
Não quero falar do filme, mas de
Ozymandias, que é uma história dentro da história. Ozymandias é a palavra grega
que corresponde ao nome do faraó Ramsés II. Ele teve o mais longo e mais
poderoso reinado no Egito. Talvez não seja exagero dizer que, durante algumas
décadas, foi o homem mais importante do mundo.
No século 19 a Europa vivia um período
de fascinação pelas antigas civilizações e uma estátua de Ramsés/Ozymandias foi
disputada por Napoleão e pelos ingleses. A peça acabou ficando com os ingleses
e foi instalada no Museu Britânico, onde pode ser admirada. Poucos meses antes
do fragmento da estátua chegar a Londres, provavelmente inspirados pelo
noticiário sobre ela, os poetas Percy Shelley e Horace Smith combinaram uma
competição: os dois iriam escrever poemas sobre Ozymandias (Shelley devia
gostar dessas provocações; foi em uma situação semelhante proposta por ele que
Mary Shelley inventou a história de Frankenstein e John Polidori fez o primeiro
livro sobre um vampiro).
Os dois poemas que resultaram do desafio
seguem um mesmo raciocínio. Falam do faraó poderoso para abordar a
vulnerabilidade dos seres humanos e de suas obras (“Contemplem as minhas obras,
ó poderosos, e desesperai-vos! / Nada mais resta: em redor a decadência /
Daquele destroço colossal, sem limite e vazio”). Horace Smith vai além e coloca
uma pessoa do futuro, que olhará as ruínas de Londres e tentará imaginar quem
vivia naquela cidade.
Tanto o poema de Shelley quanto o de
Smith são bons, mas foi o de Shelley que se tornou famoso nos países de língua
inglesa. Parece que isso se deve ao fato de ele ter conseguido entrelaçar as
palavras no soneto de forma peculiar e sonora, algo difícil para nós – que não
temos inglês como língua nativa – percebermos.
O Ozymandias de Shelley é pop. Virou
inspiração para peças de música erudita e para canções de rock; deu nome a mais
de um herói de quadrinhos e personagem de games; foi citado em séries de tevê e
em um filme do Monty Python. Foi lembrado várias vezes na imprensa para falar
de Saddam Hussein e de outros ditadores que tinham complexo de Ramsés II.
Aliás, todos eles têm. Convencem-se de que vão durar para sempre e mandam
construir gigantescas estátuas de si mesmos que, um dia, o povo derruba.
Woody Allen e seus personagens dizem
sofrer por causa da impermanência de toda obra humana, provocada no filme
recente pela visão das ruínas romanas. O ser humano constrói coisas lindas, que
chamamos de obras de arte, como o Coliseu, como a estátua de Ozymandias, mas
tudo isso é frágil e vai acabar.
A ironia a que me referi lá no começo é
que a história de Ozymandias mostra que a única obra humana que permanece é a
beleza da arte. O faraó se vai, seu reino desaparece, mas uma estátua sua feita
por um escultor cujo nome ignoramos permanece e desencadeia inspirações e
experiências em muitas pessoas que vivem séculos mais tarde. É a única forma de
perenidade acessível ao ser humano. Se isso é motivo para melancolia, é uma
questão pessoal. Certamente é estímulo para sermos mais humildes e gastarmos
mais tempo com o que é realmente bacana, como um filme do Woody Allen.