quinta-feira, 22 de março de 2012

S.O.S. ÁGUA

        Um carro com uma corneta parecida com as de vendedores de sonho passou no bairro. Falava algo sobre água, mas não  compreendi bem.
        Estavamos ensaiando cantos da igreja.  “Seu Oraide”  bateu no portão, fez o convite e disse que queria ver a juventude na reunião sobre a falta de água. Primeiro ficamos em dúvida, pois não tínhamos certeza se “já podíamos nos considerar jovens”. Concluímos que se participávamos do Grupo de Jovens poderíamos ir na reunião...
         Ninguém mais agüentava o racionamento. De vez em quando o caminhão pipa aparecia. Trazia uma água tão suja que não era utilizada em nada. As pessoas comentavam que ela era retirada direto do Rio Barigui.
         Algumas famílias que ainda tinham poço no quintal de casa começaram a utilizar. Surgiram vários problemas de saúde, o principal era diarréia.
          No Alto Pinheiro os moradores começaram a fazer fila no portão da casa da D. Conceição e do Seu Alexandre para pegar água no poço deles. A situação estava difícil.
         Além disso, algumas casas começaram a apresentar rachaduras no Centro do município. Depois piorou, rachou até a Igreja, Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Túmulos do Cemitério da Sede e casas foram atingidos.
         Havia um  descaso do poder público, dificuldades para a população. A situação ficou insustentável. Muitos atenderam a convocação e foram na reunião. Mulheres, homens e crianças. Vários foram em passeata até Tamandaré.
         Ir à Tamandaré é uma expressão muito usada por quem mora nos bairros mais distantes, como o Jd. Graziele, Cachoeira, Tanguá, Prado. Neste Caso, Tamandaré, trata-se do Centro do município.
         Levaram baldes vazios, panelas, faixas, cartazes e a expectativa que o das torneiras vazias fosse resolvido.
         Tratava-se de uma Audiência Pública com a SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná). Foi no Salão Paroquial da Igreja Matriz e contou com o apoio do Parco da época, Frei Emídio.
         Os técnicos da empresa falaram. Engenheiros e demais profissionais usaram alguns termos que a maioria do povo não entendeu. As pessoas se revoltaram. Chingaram. Gritaram. Foram embora. Na saída jogaram pedras, paus contra o telhado do Salão.
         Quando ocorre acumulo de muitas demandas reprimidas com a população e o poder público não oferece uma resposta imediata pode ocorrer reação violenta. O processo de urbanização, em uma sociedade capitalista, é marcado por intenso conflito em relação à apropriação do espaço.
         As cidades passam a ser vistas como mercadorias e o solo passa a integrar o mercado consumidor, submetido à lei da oferta e procura, valorizado de acordo com sua localização e benfeitorias. Nesta linha, quem pode pagar mais ocupa os melhores espaços. HARVEY (1980, p.146) ressalta esta situação definindo que “o rico pode dominar o espaço enquanto o pobre é dominado por ele”.
         Podemos citar inúmeros casos de manifestações e confrontos. É comum que o poder estabelecido seja a nível nacional, estadual ou local responda de forma agressiva contra o povo. Não foi o caso naquele episódio, para a sorte de todas e todos que estavam naquele local.
         No segundo momento da audiência foi possível fazer perguntas. Apareceram muitas  avaliações, comentários e questionamentos. O povo colocou os técnicos “contra a parede”.
         Neste dia que ouvi pela primeira vez a palavra Carste. Num primeiro momento não entendi muito bem do que se tratava, mas me interessei pelo assunto. Algumas pessoas estavam contra a retirada de água do aquífero. 
         No final da Audiência, foi criada uma “Comissão de Moradores” para acompanhar as obras e cobrar a resolução dos problemas. O coordenador da mesa perguntou quem gostaria de fazer parte daquela comissão. As pessoas levantavam a mão. Ele perguntava o nome e o bairro.
         Não tive dúvidas e me apresentei. A comissão marcou uma reunião para se organizar e começar os trabalhos. Era o início da década de 1990.
         Mais tarde compreendi que estava fazendo parte de um “Movimento Popular”, tema que aprofundei melhor nas aulas de Sociologia na Faculdade. Aquele foi o “Movimento S.O.S Água”.  Durou cerca de dois anos. Depois dele vieram muitos outros e a questão da água continua  interferindo na vida das pessoas até hoje.
            Afinal de contas, o Aqüífero Carste possui influencia em mais de 80% do território do município de Almirante Tamandaré.

Um comentário:

  1. achei bem interessante esse texto por que se trata da falta da água para o ser humano porque sem a água ninguem vive.

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