A Guerra do Contestado pode ser interpretada do ponto de vista da literatura e da história. Ambas, história e ficção são discursos que constituem sistemas de significação, dão sentido ao passado, transformando-os em fatos históricos presentes.
Da ficção à realidade, é possível olhar para as mulheres do século XIX sob uma nova ótica, que em parte contrapõe o discurso da história oficial.
A história oficial traz os homens como os “heróis” e as mulheres, quando citadas, são divindades, virgens, figuras submissas, pacíficas e até como estorvos nos momentos de combates. O papel da mulher na narrativa de Schüller, (2004) no “Império Caboclo” revela a identidade das mulheres de origem cabocla: índias, negras e pobres.
Ultrapassando e, ao mesmo tempo contestando a forma que os homens retrataram as mulheres no Contestado, apenas como “santas” virgens ou então como “prostitutas”, elas foram bem mais além. Elas questionaram o espaço do poder, lutaram por seus direitos, à liberdade, foram à guerra.
De virgens e guerreiras, as mulheres do Contestado se destacavam por sua determinação: Constantina, Maria Rosa, Etelvina, Francisca Roberta, conhecida como “Chica Pelega”, Sebastiana, Querubina-vidente Teodora, a “dondoca” Christabel. Tinha também a figura enigmática da velha prostitura “Beija-Flor” que junto a seu batalhão de mulheres guerreiras eram a “perdição” dos homens mas também “lutavam como homens”. Essas e outras mulheres foram protagonistas e exercem diferentes papéis sociais. De um lado, elas representaram a pureza e a renovação e de outro, o mundo obscuro da violência, da opressão e da submissão ao universo masculino.
A figura de Maria Rosa, a virgem, mulher-mãe, respeitada e temida por todos, reconhecida como a “Joana D’arc” do sertão. Seu nascimento ocorreu num quarto solitário, apenas com a presença de uma parteira das redondezas. Já na adolescência começou a quebrar paradigmas e desmistificar conceitos machistas e patriarcais, conduzindo um grande exército de homens e mulheres nas terras contestadas entre Paraná e Santa Catarina.
Maria Rosa seria uma adolescente na casa dos quinze anos, loura cabelos crespos, alegre e de extrema vivacidade. Falava com desembaraço e andava andava amiúde com um vestido branco enfeitado com fitas azuis e verdes e penas de pássaros. O povo dos redutos a considerava uma santa e acreditava que ela tudo sabia, cumprindo todas as ordens que ela emitia. Desde o início de sua vida pública exercia uma liderança nata, tomando as mais importantes decisões do reduto. Caminhava com seu povo, rezava com eles, definia chefias e coordenações, além de ter a função de juíza entre os sertanejos, nomeando líderes religiosos e militares e até sentenciando à morte conforme o crime ocorrido. Ela percorria cada canto do reduto a cavalo, com uma das mãos conduzia as rédeas do animal e com a outra levava o estandarte.
Além de Maria Rosa, as “virgens” Sebastiana e Etelvina viviam na “Casa das Virgens”, onde eram vistas como “santas”, e alvo da cobiça dos homens. Lá, elas viveram momentos de violência, tortura e abuso sexual por parte dos jagunços, até o dia em que Etelvina se rebelou e decidiu fugir rumo à liberdade, revelando para as demais a força, que até então, adormecia à sombra de femininos gestos suaves.
Por fim, as inúmeras mulheres que participaram da na Guerra do Contestado, no meio da floresta, reclamando por seus direitos, lutando por sua liberdade, identidade e sua história, continuam vivas no imaginário. Suas vozes, na busca por igualdade, ainda podem ser ouvidas. Outras Marias, Etelvinas, Chicas surgiram quebrando o silêncio em vários lugares do mundo na luta com o patriarcado e a opressão.
* Professor Célio Valter Mendes e Solange Ferreira, texto de abertura do mês de Março na agenda da APP-Sindicato de 2012
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