Assim como dona Evinha, como é chamada,
existem 294 benzedeiras já identificadas no interior do Paraná. Vêm das cidades
de Rebouças e São João do Triunfo, ambas no Centro-Sul do estado, as primeiras
leis municipais de que se tem registro no Brasil para o reconhecimento da
atividade das benzedeiras. Na região também foi criado o Movimento Aprendizes
da Sabedoria (Masa). “O movimento serviu como uma ferramenta para a articulação
das benzedeiras, que não se comunicavam entre si e se sentiam acuadas pelo
preconceito contra a atividade”, comenta Taísa Lewitzki, uma das coordenadoras.
A partir do mapeamento realizado pelo
grupo foram identificadas 133 benzedeiras em Rebouças e 161 em São João do
Triunfo. Em março de 2009, o estudo fundamentou a elaboração de uma lei na
Câmara Municipal de Rebouças para o reconhecimento da atividade. Em fevereiro
de 2012, o mesmo procedimento foi adotado em São João do Triunfo.
Taísa lembra que as leis municipais são
inéditas no Brasil. “Existem leis semelhantes que reconhecem a atividade das
parteiras, mas, nesses moldes das leis das benzedeiras, o trabalho é inédito”,
acrescenta. Na prática, as leis permitem que as benzedeiras, rezadeiras,
curandeiras e costureiras de rendiduras (dores musculares) tenham acesso e
manipulem ervas medicinais. Elas também podem contribuir com políticas de saúde
pública.
No quintal da casa de dona Evinha
existem, por exemplo, 16 tipos de ervas medicinais. “Eu dou um ramo para a
pessoa que precisa e ensino como fazer o remédio”, diz. Ela aprendeu o ofício
com a mãe e há dez anos pratica o benzimento.
Especial
Há oito anos na atividade, a curandeira
Alice Teixeira descobriu o dom quando impôs as mãos sobre o peito da filha de 2
anos que sofria de desmaios. “Um clarão entrou na janela do meu quarto e eu fui
chamada a curar as pessoas em forma de retribuição pela saúde da minha filha”,
completa. Ela afirma já ter curado pessoas com feridas graves e até recuperado
quem estava em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Já Marta Drabeski, que está no ramo há 24
anos e é vereadora em São João do Triunfo, diz que desde a infância se sentia
especial. “Mas eu tinha medo da minha mãe, que era luterana e não acreditava
nas minhas visões.” Ela afirma ter visto aos 11 anos Nossa Senhora das Graças
aos pés de sua cama, enquanto passava uns dias na casa da irmã mais velha. “A
partir daí eu soube que tinha que curar as pessoas que precisavam.”
Voluntariado
A atividade é voluntária, mas a ajuda com
alimento ou dinheiro não é negada por parte das curandeiras. “Quem quer e pode
deixa um quilo de alimento”, comenta Alice, que vive de carpir quintal e colher
maçãs. Dona Evinha, que é pensionista, também não cobra nada pelo serviço, mas
aceita de bom grado os presentes que recebe. Ela mostra o velho guarda-roupas
de duas portas cheio de fronhas e panos de pratos bordados, doados pelos
pacientes e que ainda nem foram usados.
Médicos veem atividade com preocupação
A cura por métodos alheios à ciência é vista com ressalvas por médicos. “A segurança científica não pode ser deixada de lado”, lembra o oncologista e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, Cícero Urban. Ele ressalta que um tratamento tradicional não pode ser substituído pelo alternativo, proposto por curandeiros e benzedores. “A medicina não substitui o curandeiro nem o curandeiro substitui a medicina. Eu não digo para um paciente não procurar uma benzedeira, mas eu acho que ele precisa tomar cuidado, principalmente se quiser substituir um tratamento médico”, opina.
Para a psiquiatra e coordenadora regional no Paraná da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática, Maria Lúcia Maranhão Bezerra, o que preocupa o médico é o atraso causado na busca pelo tratamento convencional provocado por quem é adepto de sessões de benzedeiras e curandeiros. “A tendência dos médicos é respeitar essa atividade, mas esperamos que nenhuma dessas práticas interfira na possibilidade de tratar o paciente a tempo de recuperar sua saúde”, afirma. (MGS)
Cultura
Ato de curar pode ser considerado patrimônio imaterial
O ato de curar por meios não tradicionais é visto como um patrimônio imaterial da cultura brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – ligado ao Ministério da Cultura. Porém, ainda não há registros oficiais da atividade no instituto. Conforme a assessoria de imprensa do órgão, existem dois estudos em desenvolvimento para o reconhecimento das benzedeiras, um no Rio Grande do Norte e outro no Ceará.
No ano passado, o mapeamento das benzedeiras realizado pelo Movimento Aprendizes da Sabedoria (Masa), que originou as leis municipais em São João do Triunfo e Rebouças, conquistou o prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, que reconhece iniciativas de proteção, preservação e divulgação do patrimônio cultural brasileiro. (MGS)
Interatividade
Você já procurou ajuda em benzedeiras? Conte sua experiência.
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
Disponível na Gazeta do Povo, em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário