domingo, 31 de março de 2013

Leminski


A constatação feita meio ao acaso de que Toda Poesia, antologia que reúne todos os poemas do autor curitibano Paulo Leminski (1944-1989), está no topo da lista dos mais vendidos da Livraria Cultura, uma das principais cadeias do país, causou rebuliço nas redes sociais. A notícia de que a obra, lançada há pouco mais de um mês, havia desbancado, por exemplo, o best seller internacional Cinquenta Tons de Cinza, primeiro volume da trilogia erótica da escritora britânica E. L. James, mexeu não apenas com os fãs do poeta. Espalhou-se pela internet como uma espécie de manifesto espontâneo em celebração a uma notícia que para muitos soou improvável, mas que, aos poucos, se provou não apenas verdadeira, mas ainda mais impressionante.
Toda Poesia não está apenas no topo do ranking da Cultura, mas também entre os dez títulos de ficção – que inclui obras de prosa e (raríssimas vezes) de poesia – da lista publicada semanalmente pela revista Veja, a partir de levantamento feito junto às principais cadeias de livrarias do país.
Números divulgados à reportagem da Gazeta do Povo pela Companhia das Letras mostram que, em menos de um mês, o livro já teve três reimpressões, somando um total de 15 mil exemplares vendidos, o suficiente para fazer de qualquer livro brasileiro, não importa o gênero, um best seller.
No catálogo da Cia. das Letras, algo semelhante só aconteceu recentemente, no campo da poesia, com O Sentimento do Mundo, terceiro livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade, publicado pela primeira vez em 1940, que ultrapassou a marca de 100 mil cópias comercializadas em sua mais recente edição, mas apenas depois de o livro ser incluído nas listas das obras de leitura obrigatória para as provas de literatura dos vestibulares da Fuvest (da USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Com Toda a Poesia, a febre foi espontânea. E digna de discussão.
O poeta, compositor e professor de Literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Marcelo Sandmann diz que Toda Poesia veio suprir a contento o que ele chama de “grande lacuna editorial”, colocando a obra poética de Leminski, há muito esgotada, novamente em circulação, tornando-a mais acessível a antigos e novos leitores. “É a primeira reunião de toda a poesia do escritor num único volume. E sai pela chancela de uma grande editora, com poder de fogo em termos de divulgação e distribuição. Aciona-se assim novamente o mito Leminski, numa época algo carente de heróis literários. E há boa poesia ali, vale lembrar.”
O jornalista, poeta e tradutor londrinense Rodrigo Garcia Lopes não se diz surpresso com a repercussão de Toda Poesia. “Eu suspeitava que este livro fosse repetir o sucesso de Caprichos & Relaxos”, referindo-se ao volume publicado em 1985 pela Editora Brasiliense, obra que apresentou a poesia de Leminski ao Brasil e se tornou um êxito de vendas.
Quanto à descoberta da obra de Leminski por novos leitores, de diferentes gerações, Garcia Lopes alfineta a produção poética brasileira contemporânea: “O leitor está cansado de poetas que escrevem apenas para seus pares, amparados numa suposta defesa da ‘materialidade da linguagem’ que serve apenas de muleta para uma poesia de dicionário, que não diz coisa nenhuma. Isso num campo literário com muita pose e pouca, quase nenhuma poesia.”
Invenção e clichê
Sandmann lembra que, depois da morte de Leminski, uma certa mística existente em torno da figura do escritor curitibano só fez crescer. “Ele era um escritor de bagagem cultural consistente, tradutor de diferentes línguas, que havia transitado pela literatura de vanguarda, mas adentrado o território mais aberto da poesia de mais fácil comunicação (mas nem sempre), da canção popular, dos mass media. Era um pensador da cultura contemporânea, que se manifestava de maneira polêmica e contundente, causando sempre estardalhaço. E tinha um vínculo forte com a contracultura, com a marginália, o que temperava bem seu lado mais culto, criando a imagem de alguém que fazia a ponte entre dois mundos (o ‘bandido que sabia latim’, para lembrar aqui expressão sua, utilizada como título da biografia, de Toninho Vaz).”
Para a jornalista e também poeta Marília Kubota, um dos maiores trunfos de Leminski foi justamente esse, o de conseguir ligar a linguagem popular à cultura erudita. “Essa mistura bem dosada entre invenção e clichê fascina. Leminski desmonta e recicla ditos e ritmos populares, misturando a teorias e formas eruditas. É o que faz o artista genial, Guimarães Rosa, Poty, Joyce, Kurosawa, Dostoievski: não tem medo de experimentar, de romper com a tradição, ou com os grupos estabelecidos. E os leitores e espectadores de todos os tempos gostam de ousadias e novidades.”
Pop
Embora afirme não ter uma tese que explique o fenômeno em torno de Toda Poesia, a poeta Alice Ruiz, viúva de Leminski e uma das responsáveis pela orgnização da antologia, ao lado da editora Sofia Mariutti, da Companhia das Letras, diz que “a poesia dele é boa mesmo e, desde que ele morreu, seu nome só cresceu entre o público em geral. E, em especial, entre os jovens.”
Essa renovação do público leitor de Leminski, diz Alice, tem a ver com o fato de que sua poesia fala na linguagem dos jovens, “mas propondo um olhar mais aprofundado sobre tudo, em especial o compromisso com a palavra poética e o estudo que ela exige. Pop, mas culto. Culto, mas pop.”
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