A constatação feita meio ao acaso de
que Toda Poesia, antologia que reúne todos os poemas do autor curitibano Paulo
Leminski (1944-1989), está no topo da lista dos mais vendidos da Livraria
Cultura, uma das principais cadeias do país, causou rebuliço nas redes sociais.
A notícia de que a obra, lançada há pouco mais de um mês, havia desbancado, por
exemplo, o best seller internacional Cinquenta Tons de Cinza, primeiro volume
da trilogia erótica da escritora britânica E. L. James, mexeu não apenas com os
fãs do poeta. Espalhou-se pela internet como uma espécie de manifesto
espontâneo em celebração a uma notícia que para muitos soou improvável, mas
que, aos poucos, se provou não apenas verdadeira, mas ainda mais impressionante.
Toda Poesia não está apenas no topo do ranking da
Cultura, mas também entre os dez títulos de ficção – que inclui obras de prosa
e (raríssimas vezes) de poesia – da lista publicada semanalmente pela revista
Veja, a partir de levantamento feito junto às principais cadeias de livrarias
do país.
Números divulgados à reportagem da
Gazeta do Povo pela Companhia das Letras mostram que, em menos de um mês, o
livro já teve três reimpressões, somando um total de 15 mil exemplares
vendidos, o suficiente para fazer de qualquer livro brasileiro, não importa o
gênero, um best seller.
No catálogo da Cia. das Letras, algo
semelhante só aconteceu recentemente, no campo da poesia, com O Sentimento do
Mundo, terceiro livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade, publicado pela
primeira vez em 1940, que ultrapassou a marca de 100 mil cópias comercializadas
em sua mais recente edição, mas apenas depois de o livro ser incluído nas
listas das obras de leitura obrigatória para as provas de literatura dos
vestibulares da Fuvest (da USP) e da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Com Toda a Poesia, a febre foi espontânea. E digna de discussão.
O poeta, compositor e professor de
Literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Marcelo Sandmann diz que
Toda Poesia veio suprir a contento o que ele chama de “grande lacuna
editorial”, colocando a obra poética de Leminski, há muito esgotada, novamente
em circulação, tornando-a mais acessível a antigos e novos leitores. “É a
primeira reunião de toda a poesia do escritor num único volume. E sai pela
chancela de uma grande editora, com poder de fogo em termos de divulgação e
distribuição. Aciona-se assim novamente o mito Leminski, numa época algo
carente de heróis literários. E há boa poesia ali, vale lembrar.”
O jornalista, poeta e tradutor
londrinense Rodrigo Garcia Lopes não se diz surpresso com a repercussão de Toda
Poesia. “Eu suspeitava que este livro fosse repetir o sucesso de Caprichos
& Relaxos”, referindo-se ao volume publicado em 1985 pela Editora
Brasiliense, obra que apresentou a poesia de Leminski ao Brasil e se tornou um
êxito de vendas.
Quanto à descoberta da obra de
Leminski por novos leitores, de diferentes gerações, Garcia Lopes alfineta a
produção poética brasileira contemporânea: “O leitor está cansado de poetas que
escrevem apenas para seus pares, amparados numa suposta defesa da
‘materialidade da linguagem’ que serve apenas de muleta para uma poesia de
dicionário, que não diz coisa nenhuma. Isso num campo literário com muita pose
e pouca, quase nenhuma poesia.”
Invenção e clichê
Sandmann lembra que, depois da morte
de Leminski, uma certa mística existente em torno da figura do escritor
curitibano só fez crescer. “Ele era um escritor de bagagem cultural
consistente, tradutor de diferentes línguas, que havia transitado pela
literatura de vanguarda, mas adentrado o território mais aberto da poesia de
mais fácil comunicação (mas nem sempre), da canção popular, dos mass media. Era
um pensador da cultura contemporânea, que se manifestava de maneira polêmica e
contundente, causando sempre estardalhaço. E tinha um vínculo forte com a
contracultura, com a marginália, o que temperava bem seu lado mais culto,
criando a imagem de alguém que fazia a ponte entre dois mundos (o ‘bandido que
sabia latim’, para lembrar aqui expressão sua, utilizada como título da biografia,
de Toninho Vaz).”
Para a jornalista e também poeta
Marília Kubota, um dos maiores trunfos de Leminski foi justamente esse, o de
conseguir ligar a linguagem popular à cultura erudita. “Essa mistura bem dosada
entre invenção e clichê fascina. Leminski desmonta e recicla ditos e ritmos
populares, misturando a teorias e formas eruditas. É o que faz o artista
genial, Guimarães Rosa, Poty, Joyce, Kurosawa, Dostoievski: não tem medo de
experimentar, de romper com a tradição, ou com os grupos estabelecidos. E os
leitores e espectadores de todos os tempos gostam de ousadias e novidades.”
Pop
Embora afirme não ter uma tese que
explique o fenômeno em torno de Toda Poesia, a poeta Alice Ruiz, viúva de
Leminski e uma das responsáveis pela orgnização da antologia, ao lado da
editora Sofia Mariutti, da Companhia das Letras, diz que “a poesia dele é boa
mesmo e, desde que ele morreu, seu nome só cresceu entre o público em geral. E,
em especial, entre os jovens.”
Essa renovação do público leitor de
Leminski, diz Alice, tem a ver com o fato de que sua poesia fala na linguagem
dos jovens, “mas propondo um olhar mais aprofundado sobre tudo, em especial o
compromisso com a palavra poética e o estudo que ela exige. Pop, mas culto.
Culto, mas pop.”
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